Nossa equipe aqui na Informação Lab se conheceu profissionalmente na coordenação das Fatecs há alguns anos. A gente assumiu a gestão da coordenação de graduação do Centro Paula Sousa, a CESU, no início de 2016. A CESU é responsável pelo planejamento estratégico, distribuição de recursos, direcionamento e diretrizes gerais das Fatecs, as faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo. Sempre foi senso comum que a qualidade do ensino nas Fatec era muito boa. O lema era que proviam educação pública gratuita e de qualidade. Creio não ser questionável que a qualidade do ensino de tecnologia era de fato boa, comparada com padrões internacionais e nacionais de ensino equivalente, mas certamente sempre houve (e há) espaço para melhoria. Ao analisarmos alguns dos indicadores de qualidade dos cursos na época, isso já era perceptível. Alguns cursos (cerca de 30 a 40%) tinham uma relação candidato vaga no vestibular muito baixa (3 ou menos). Ainda mais preocupante era o índice de evasão, chegando a 70% em alguns cursos e na média em torno de 40%. Um desastre absoluto em termos de gestão acadêmica e de recursos públicos, logo uma grande preocupação da gestão do Centro na época. O governo do Estado havia focado, há alguns anos, uma política de renovação de cursos, por meio do fechamento de cursos com baixa relação candidato vaga. As Fatecs e seu corpo docente resistiam ferozmente a esta política, o que era compreensível se considerarmos que no CPS, diferentemente das Universidades Públicas paulistas, o concurso e feito por disciplina. Se o curso é extinto, a disciplina e o contrato do docente deixam de existir. A evasão, por outro lado, não tinha uma diretriz ou política explicita (uma questão de tempo segundo a administração do CPS à época), e não era de fato uma preocupação da maioria do corpo docente. Na realidade, cheguei a ouvir de um professor de Fatec, para meu horror, que sua única preocupação era manter o alto nível do ensino em seu curso, mesmo que apenas um aluno se graduasse, de uma turma de 70 a 100 ingressantes. Não!! Isso não poderia ser mais aceitável. A qualidade precisa ser mantida, e a evasão precisa ser reduzida de qualquer maneira. O problema da evasão é ainda mais grave em instituições privadas de ensino, por razões obvias. Como reduzi-la?
O propósito principal de nossa ida para a Cesu foi a implantação de um modelo de gestão científica (baseada em fatos e dados). Os princípios fundamentais desse modelo de gestão são a identificação de problemas, sua quantificação e a definição de metas. Como primeira meta definida para as Fatecs propusemos a redução da evasão média das unidades em 30% de um semestre a outro. Parecia uma meta desafiadora, mas não muito agressiva. A escolha da evasão e não da baixa relação candidato vaga se deveu a 2 principais motivos: em primeiro lugar já havia uma diretriz do governo do Estado em relação à eliminação de cursos por baixa relação de candidatos vaga; em segundo lugar havia uma grande suspeita (posteriormente comprovada) que existiam muitas causas comuns entre uma baixa atratividade de um curso e a alta evasão do mesmo curso. Os cursos que tinham uma relação candidato-vaga baixa em geral tinham uma alta invasão. Naturalmente, não era sempre o caso, mas em muitos cursos certamente existiam causas comuns.
O método que nós escolhemos para tratar o problema foi o desdobramento pelas diretrizes, também conhecido como balanced score card em empresas de manufatura. Trata-se de um desdobramento de uma meta global em vários níveis até o nível mais básico de gestão dentro da instituição. Ele permite uma série de negociações e avaliações para ajuste e determinação de valores justos, mas desafiadores de metas em todos os níveis de responsabilidade em uma organização. O exemplo mais bem sucedido de dobramento das diretrizes feito pela consultoria Falconi nos anos 90 (Quando a empresa ainda operava como a Fundação de Desenvolvimento Gerencial) foi a gestão do racionamento de energia durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Não estamos discutindo aqui as causas que levaram ao racionamento e sim a forma como a gestão foi feita. Havia uma meta global de redução de consumo de energia elétrica para todo o país e essa meta foi dividida por regiões, por Estados, municípios, chegando até o nível de residências e instituições de serviços e industriais. Casos especiais puderam ser apresentados e negociados com as autoridades, por exemplo uma família que teve o nascimento de um novo bebê conseguiu uma redução na meta de redução de consumo. De maneira geral, garantiu-se que a economia de energia de cada domicílio e negócio do país contribuísse para a meta global de redução de consumo daquele ano, e a gestão do plano foi um sucesso com a participação de praticamente todos os cidadãos do país. No caso da redução da evasão escolar das Fatecs, cada uma recebeu a sua meta. Houve um desdobramento individual para diferentes cursos, então cada coordenador de curso recebeu a sua meta. Quando um curso possuía mais de uma turma as metas foram desdobradas por turma (por exemplo, diurno e noturno). Todo mundo que tinha uma função gerencial ou responsabilidade por um curso recebeu seu valor de meta. Sempre que alguém considerava sua meta injusta, havia negociação entre o coordenador do curso ou o diretor da unidade e a Cesu. Em alguns casos aceitamos redução de meta, em outros casos os coordenadores foram ousados e propuseram aumento dela. Quando eles achavam que conseguiam, nós estimulávamos isso! O fato é que nós procuramos evitar que coordenadores que já estivessem trabalhando na redução de evasão antes do programa fossem penalizados com uma meta mais apertada e de maneira geral os gestores ficaram satisfeitos com a meta. Salientamos que nessa primeira rodada de desdobramento pelas diretrizes não era nosso objetivo criar conflito ou desconforto entre diretores ou coordenadores. Consideramos que a primeira rodada era um teste, um treinamento para a instituição aprender a lidar com a gestão pelas diretrizes e com as metas de colocada sobre indicadores importantes. A grande maioria dos gestores saiu se muito bem no teste!
Acreditamos por experiencia própria que todos os gestores de educação superior e instituições de ensino superior sabem quais são os 3 tipos básicos de causas de evasão. São em muitos casos especificas para Ies, pois a dinâmica e a legislação para os ensinos básico e médio são bem diferentes no país. Existem causas ligadas a condições socioeconômicas: o país na época estava entrando numa recessão antes mesmo da pandemia e o perfil dos alunos da Fatec é o de alunos de renda familiar intermediaria ou baixa, que tem dificuldades para se manter estudando quando a renda familiar cai. Eles em geral não são estudantes tempo integral, muitos trabalham e uma proporção razoável, em torno de 25 a 30%, são arrimos de família.
Outra causa muito comum de evasão é a dificuldade do aluno em acompanhar o curso e isso é fato nas Fatec. O nível dos professores é alto, com muitos mestres e doutores formados nas principais universidades do país. Muitos dos alunos, apesar de passarem no vestibular e de terem a sua base de educação do ensino médio não conseguiam acompanhar facilmente o nível das aulas e isso gerava evasão. Há maneiras de mitigar o problema com aulas de reforço no primeiro semestre. Em nossa gestão nós não priorizávamos essa ação. Perder um semestre ou um ano inteiro revendo material do ensino médio em um curso de graduação de três anos e um absurdo. Nossa política no caso foi pressionar o governo do Estado para melhorar o nível do ensino nos níveis anteriores. Isso pode não ser tão bonito e progressista quando políticas de cota e reforço, mas é a coisa certa a ser feita. A base da educação é o alvo mais importante de uma política de ensino seria para qualquer estado.
Uma terceira causa é o desencanto dos alunos com a realidade do curso em relação ao mercado de trabalho. Como nós sabemos, muitos deles já estavam inseridos no mercado de trabalho e tinham dificuldade de ver a relação entre o que eles aprendiam em sala de aula e o que faziam de fato no trabalho ou como aquilo que eles aprendiam os ajudaria a avançar na sua carreira.
Esses são então os 3 grupos de causas principais de evasão e naturalmente os gestores das Fatecs, como é da natureza humana, prestavam sua atenção quase que exclusivamente nos atores externos da sua gestão, seja os fatores socioeconômicos, seja as dificuldades do mercado de trabalho, seja a dificuldade dos alunos et cetera et cetera. Como estratégia para quebrar essa resistência ancestral a solução de problemas, no projeto de redução de invasão nós dissemos claramente aos diretores e aos coordenadores de curso (exaustivamente) que nós concordávamos em um aceitar uma meta mais suave de redução de evasão no primeiro semestre trabalho, desde que o foco na análise de causas e no combate as causas dos planos de ação elaborados fossem nas causas internas de evasão. Os campos principais (mas não necessariamente exclusivos) de atuação deveriam ser lidar com o grau de dificuldade dos cursos, ou trabalhar nos cursos fracos, cursos ruins e cursos sem sintonia ou sem sincronia nenhuma com a realidade do mercado de trabalho e das demandas sociais e tecnológicas que viriam depois da graduação. O CPS tinha e tem capacidade para formar excelentes profissionais para o mundo, incluindo a necessária formação em língua inglesa. Esse tinha que ser o objetivo. Um milhão de alunos super bem formados matriculados até 2026.
Como o princípio básico da gestão, o gestor responsável (que eu e a minha equipe tentamos ser na época) prover o desafio e também prover os recursos necessários para que a sua equipe alcance as metas. Nós provemos então um desafio através da definição das metas e os recursos através de treinamento extensivo para muitos coordenadores de cursos e até diretores de Fatec. Mais de 160 profissionais fizeram os cursos de desdobramento pelas diretrizes, de PDCA (ciclo de melhoria contínua), de análise de causa raiz de problemas e de elaboração correta e eficiente de planos de ação. Tratam se de cursos relativamente simples de gestão, mas conceitualmente muito fortes, que foram oferecidos para várias turmas e é possível dizer que tiveram um efeito muito positivo na gestão das escolas das Fatecs. Estes cursos, revisados e atualizados, são oferecidos pela Informação Lab para seus clientes hoje como treinamento ou formação em projetos de apoio e desenvolvimento de equipes.
Durante a análise de causas feita, e claro que alguns problemas comuns apareceram para todas as Fatecs: a questão socioeconômica por exemplo, que o Centro Paula Souza procurou mitigar com os recursos disponíveis, que não eram muitos. Por outro lado, houve uma grande autoanálise (diríamos até mesmo catártica!) sobre qual o problema com a qualidade dos cursos ou por que que os cursos errados estavam sendo oferecidos. Por que os cursos não atraíam os alunos e, quando atraíam, os alunos se desencantavam com o que viam? Algumas decisões foram tomadas a nível de Fatec e outras decisões a nível de Cesu. Todos nós a época tivemos que calcar as sandálias da humildade e aceitar o fato de que algumas diretrizes como a centralização de currículos a homogeneização de currículos de cursos das Fatecs (a padronização excessiva) estavam causando danos para as Fatecs e para os alunos de graduação. Muitas políticas e diretrizes foram desenvolvidas e foram modificadas. Como exemplo, podemos mencionar duas grandes Fatecs, com excelentes cursos de logística, Santos e Guarulhos. Ambas tinham exatamente o mesmo currículo, por exigência da Cesu. Obviamente, em Santos o foco do currículo de logística é o porto e no outro caso é o aeroporto e, portanto, os cursos não deveriam ser iguais, pelo menos não inteiramente. Essas e outras mudanças que parecem muito lógicas tiveram que ser implantadas. Em outros casos, a mentalidade vigente na Fatec é a mesma que em boa parte da educação superior pública no Brasil: o professor pesquisador e o meio acadêmico são os principais atores na elaboração de currículo ou no desenvolvimento de tecnologia e inovação. Tais premissas foram contestadas e nós humildemente aceitamos que nós teríamos que dividir os trabalhos e as responsabilidades com os setores produtivos da sociedade, nosso principais clientes: hospitais, empresas de agronegócio, empresas de manufatura, grupos de tecnologia, a polícia militar e vários outros atores da sociedade foram convidados a elaborar os currículos dos cursos de graduação junto com a equipe do Paula Souza e com isso se interessaram e passaram a investir nos cursos, e não só em termos de tempo e conhecimento, mas também em termos financeiros quando isso foi possível. Esta flexibilização das políticas de elaboração e gestão dos cursos, nosso principal insumo na formação do nosso principal produto (o aluno), o que nós consideramos a aplicação de inteligência e sensibilidade de mercado na formação de desenvolvimento de novos cursos, gerou resultados muito positivos tanto de atração de alunos no vestibular quanto de permanência dos alunos, isso mesmo durante o desastre da pandemia e a transição da educação para praticamente 100% de ensino a distância. Voltando a 2016, no início de 2017 a redução média da evasão em apenas um semestre foi na média de 36%. Alguns cursos de algumas Fatecs chegaram a uma redução de evasão de 80% em um semestre, o que prova que boa gestão, boas práticas e principalmente empenho por parte da dos atores principais envolvidos (coordenadores professores e diretores), bem como a abertura da gestão da coisa pública para a participação de interessados na sociedade em geral são a chave do sucesso. Apesar da pandemia e das dificuldades decorrentes, até 2021 a evasão permanece em um patamar menor que 2016, e houve um aumento de cerca de 8% no número de alunos de graduação das Fatecs. Passado o período mais crítico de crise econômica e de saúde pública, o momento agora e a retomada da gestão mais agressiva, com novas metas e ciclos de melhoria contínua nas instituições de ensino. Podemos combater a evasão nas faculdades oferecendo descontos, promoções e financiamento para os alunos. Sim, claro, e uma estratégia válida. Mas nenhuma instituição pode se dar ao luxo de menosprezar a inteligência, os sonhos e as aspirações de seus alunos, ou ele sempre vai encontrar educação mais barata e acessível na concorrência. O grande desafio para as instituições privadas de ensino e oferecer o sonho a preços acessíveis. Isso não é tão difícil quanto se imagina. Não faltam grandes empresas e instituições no país querendo adotar uma escola para chamar de sua, investir e emprestar sua marca, e muitas vezes o preço que elas cobram e simplesmente participar e acompanhar a formação dos alunos. É algo a se pensar.
No comment yet, add your voice below!