Implantando a trilha de Solução de Problemas no currículo de administração de empresas do Insper
O Ano era 2010. Eu atuava como consultor na Falconi já há 10 anos, mas nunca havia feito um projeto na área de ensino, ou me envolvido com o tema. A consultoria já tinha um grupo atuando neste segmento há alguns anos, que basicamente se dedicava a pequenas melhorias nas condições de ensino, aplicação de 5S e programas simples de Kaizen em pequenas escolas públicas de ensino básico no interior do país.
Eu estava em São Paulo, trabalhando em um projeto de formação de lideranças para a Bunge, quando recebi um telefonema do professor Falconi em pessoa. Ele disse que estava em São Paulo e me convidou para jantar em seu hotel, para discutir um assunto específico comigo, o que era bastante incomum para consultores fora do seu círculo pessoal de amigos. Na verdade, toda a equipe do projeto foi convidada, e assim fomos todos, sem saber o que esperar.
“Seu interesse, naquele momento, era bastante focado em deixar um legado na educação brasileira, ajudando a melhorar a gestão”
A conversa, afinal, era só comigo mesmo. Falconi começou dizendo que estava na fase final de sua carreira como consultor (ele continua ativo até hoje como membro do conselho da consultoria que leva seu nome e de outras empresas no Brasil e exterior). Seu interesse, naquele momento, era bastante focado em deixar um legado na educação brasileira, ajudando a melhorar a gestão e o ensino superior no país, da maneira que fosse possível. Continuou explicando que tinha grande confiança na gestão do Insper (na época, uma fundação sem fins lucrativos gerenciada pelo ex-banqueiro Claudio Haddad), e que estava a tempos tentando explicar o significado do planejamento no ciclo de melhoria contínua (PDCA) para seus gestores educacionais, sem sucesso. Ele gostaria então de me pedir que apoiasse o Insper no entendimento e aplicação do método de solução de problemas em seus cursos de graduação, da maneira que fosse possível, visando preparar melhor os alunos de graduação para o mercado de trabalho. Desafio proposto, desafio aceito.
O primeiro grande teste do projeto foi entender o problema proposto, montar uma estratégia de trabalho e convencer a direção do Insper a seguir esta estratégia. A responsável pela coordenação de graduação na época era a doutora Carolina da Costa, que veio a tornar-se a gestora do projeto, quando eu assumi o papel de mentora intelectual. Ela comprou minha proposta rapidamente, e nossa parceria foi fundamental para o sucesso do mesmo. Na época, eu tinha poucos conhecimentos de metodologias ativas ou ensino baseado em projetos (Project Based Learning), ao menos em teoria. Na prática, eu era o coordenador do programa Six Sigma na Falconi, responsável pela formação de algumas centenas de Green e Black Belts em algumas das maiores empresas do país. Project Based Learning estava no sangue, na prática. Neste programa, os resultados se medem via de regra financeiramente, ou por meio de ganhos intangíveis relevantes para a empresa cliente. O modelo para a inserção do método de solução de problemas na graduação de administração de empresas, portanto, nasceu de minha experiência prática com ensino e treinamento, e não de uma base teórica que só vim a adquirir anos mais tarde.
A estratégia proposta foi criar uma trilha, ao longo de 6 semestres do curso de administração, no formato de um super black belt, ou BB on steroids como brincamos na época. Para isso, identificamos um curso introdutório de teoria de gestão, no primeiro semestre, no qual o tema do PDCA e do método científico de solução de problemas era abordado. Além disso, cada semestre tinha pelo menos um curso de estatística, notoriamente os cursos menos populares e com maior taxa de reprovação da carreira. Os professores, que vim a conhecer intimamente ao longo do projeto, tinham o perfil padrão: doutores em estatística pela USP, muito capazes em estatística teórica, com conhecimentos acadêmicos de estatística aplicada e nenhuma experiência prática no mercado de trabalho. E sim, um certo pedantismo acadêmico e preconceito contra os programas de Seis Sigma do mercado. A ideia, portanto, foi transformar radicalmente as ementas e metodologia de ensino destes cursos, transformando-os em etapas de um treinamento Black Belt. A trilha culminaria com um programa de estágios orientados por mentores voluntários (o Insper sempre teve um excelente network para atrair empresas e profissionais interessados em participar do programa, embora a escala do que se estava prevendo e o número de alunos envolvidos fosse um pouco assustador a princípio).
Convencida a diretoria do Insper sobre a validade da proposta, o segundo teste foi conseguir recursos para bancar o projeto. Não apenas minhas horas de trabalho, mas também de vários professores e funcionários do Insper que se dedicariam a implantação do programa. O Falconi e o Haddad convenceram os principais acionistas do grupo GP de investimentos a ver uma apresentação do projeto e decidir se concordam em bancar o mesmo, em sua primeira etapa. Nesta ocasião, apresentamos o projeto ao Falconi (que foi bastante condescendente comigo, ou porque fiz um bom trabalho, ou porque ele tinha real interesse no projeto. Nunca saberei!), Marcel Telles, Beto Sicupira e alguns executivos do grupo. Perguntas feitas e bem respondidas, financiamento do projeto aprovado. Seguimos em frente.
O teste seguinte era complicado. Explicar aos professores da trilha o que era o programa, treiná- los, criar com eles situações práticas para simulação de projetos com os alunos, enfim, trazer a bordo os profissionais que de fato executariam e garantiriam o sucesso do projeto. Nessa fase entendi, por fim, porque o Falconi havia me escolhido para esse projeto. Consultores competentes no programa seis sigma, tínhamos pelo menos 20 na época. Mas com um doutorado em estatística aplicada em uma conceituada universidade americana, apenas eu. Esse foi um trunfo usado apenas uma vez (foi o suficiente). Quando eu expliquei a uma audiência com quinze professores doutores em estatística o que seria o projeto e que eles fariam um treinamento de capacitação comigo, veio a pergunta fatal de um deles: mas você tem doutorado em que? Quando respondi, foi a última vez que me contestaram durante todo o projeto. Até hoje penso que é engraçado a autoridade que um título confere a um profissional no meio acadêmico, e a pouca importância que ele tem em outros meios.
Para encurtar a história, um ano depois, com o apoio de inúmeras pessoas no Insper, mais dois consultores Black Belts me dando apoio, o programa foi implantado, com o nome de REP (Resolução eficaz de problemas). Desde sua incepção, tem sido um grande sucesso, entre alunos, professores, mentores e empresas participantes, e nunca foi interrompido, nem mesmo durante a pandemia de COVID. Para o Insper, o programa foi fundamental para criar um diferencial entre seu curso de administração e os demais no competitivo mercado da cidade de São Paulo. Além disso, o programa gerou inúmeros spin offs tanto na graduação de administração quanto nos cursos de engenharia, criados pelo Insper alguns anos depois no modelo do Olin College nos Estados Unidos, em um projeto em que também estive envolvido como consultor. Para a Falconi, o projeto gerou prestígio e visibilidade, sendo comum hoje que consultores façam especializações na Escola, ou atuem como mentores de projetos de alunos no REP. Para mim, foi um primeiro contato com o mundo acadêmico sob o prisma de um consultor de gestão. A experiência foi muito gratificante, me levou posteriormente a reproduzi-la em diferentes níveis no ITA, no Centro Paula Souza e no ITESM do México.
ANDRE ALVES MACEDO
- maio 29, 2020
- 5:14 pm
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